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TRIBUNA
Espaço reservado à opinião do leitor

A opinião de um (in)suspeito

Fazer das Tripas Coração

Antes de escrever o que quer que seja, faço a minha declaração de interesses: sou socialista.

Esta semana foram divulgados os documentos referentes à Prestação de Contas 2016, da Câmara Municipal de Caminha.

Esta apresentação é uma obrigação legal cabendo à Assembleia Municipal apreciá-lo e votá-lo.

Contudo, hoje, não me irei deter nas posições assumidas pelos diversos partidos que compõem aquele órgão municipal. Cabe aqui fazermos uma pequena análise, política, do documento apresentado.

Diz a sabedoria popular que não se podem fazer omeletes sem ovos! Mas, não menos verdade é que, por vezes, é necessário fazermos das tripas coração. É neste último ponto que me quero debruçar.

Vejamos:

1 - O volume de despesa das Contas de 2016 é o mais baixo dos últimos 12 anos;
2 - O resultado líquido de 2016 é o melhor dos últimos três anos, melhora 34% relativamente ao ano anterior;
3 - O passivo diminui 2.5 milhões de euros face a 2015;
4 - A dívida a terceiros de médio e longo prazo diminuiu cerca de 2.3 milhões, uma descida de 15% face ao ano anterior;
5 - A dívida à banca diminuiu 1.2 milhões (19%) face a 2015 e 3.9 milhões (44%) face à situação herdada em 2013;

Não obstante, há valores menos positivos que deverão merecer a atenção do Município e que não fazem esquecer os problemas criados pela gestão no passado. Contudo, ao mesmo tempo que paulatinamente se tenta consolidar as contas públicas locais, este executivo lançou obra, apostou nas nossas coletividades e associações, fez aquilo que tinha de ser feito (o possível em apenas 4 anos).

Em apenas quatro anos - e por forma a não ser maçudo para o leitor, tentarei sintetizar ao máximo - o executivo de Miguel Alves:

1 - Requalificou a Escola Básica e Secundária do Vale do Âncora (em Vila Praia de Âncora);
2 - Beneficiou a EB/Jardim de Infância de Caminha;
3 - Beneficiou a EB1 e Jardim de Infância de Venade;
4 - Realizou as ecovias de Lanhelas, Seixas, Moledo, Vila Praia de Âncora;
5 - Construiu a Biblioteca de Caminha;
6 - Construiu o Campo de Futebol em Lanhelas;
7 - Requalificou o Cine - Teatro dos Bombeiros Voluntários de Vila Praia de Âncora;
8 - Requalificou a zona envolvente da rotunda da Cruz Velha em Vila Praia de Âncora;
9 - Requalificou o espaço envolvente ao Dólmen da Barrosa em Vila Praia de Âncora;
10 - Fez chegar à Serra d´Arga a cobertura Wi-fi;
11 - Realizou a empreitada de proteção e reabilitação do sistema costeiro entre a Foz do rio Âncora e o Forte do Cão;
12 - Beneficiou o Centro Cultural de Azevedo;
13 - Beneficiou o parque infantil de Moledo;
14 - Pavimentou diversas ruas em Dem (Carqueijal e Sobreirinho);
15 - Construiu e renovou redes de água e saneamento (Âncora, Argela, Lanhelas, Seixas, Vilar de Mouros);
16 - Requalificou e construiu caminhos em Riba de Âncora (Caminho do Lopes, Caminho da Juía);
17 - Conseguiu obter a tão desejada Bandeira Azul para Vila Praia de Âncora;
18 - Recuperou o mítico Festival de Vilar de Mouros;
19 - Reconstruiu e beneficiou o Mosteiro de São João D´Arga.

Como o leitor bem sabe e pode constatar, estou a ser mesmo contido nas obras já executadas e prontas a serem desfrutadas por todos os munícipes.

Mas, enquanto se realizam estas obras, a Câmara de Caminha é forçada a pagar as sentenças e trapalhadas judiciais em que o anterior executivo se meteu. Como bem sabemos, estamos a falar em milhares de euros (digo milhares para tentar suavizar um pouco esta calamitosa realidade).

Pode nem tudo ser perfeito, mas uma coisa tenho de reconhecer: agora faz-se MAIS, agora faz-se MELHOR!

Rui Lages



O 25 de Abril

Mais uma vez, o País vai comemorar o 25 de Abril.

Um dia que deveria ser de festa, de alegria, de fraternidade, mas na minha opinião, isso não vai acontecer. E não vai acontecer porque Portugal continua mergulhado numa crise muito, muito profunda, porque está mais pobre, com o número de desempregados ainda muito elevado(embora as estatísticas oficiais digam o contrário),com as populações cada vez mais necessitadas de cuidados de saúde primários, com empresas as deslocarem-se para outros países onde a mão de obra é mais barata, com a falta de investimento, milhares de jovens licenciados sem emprego, jovens que continuam a procurar nas universidades públicas e privadas "uma enxada" para trabalhar.

Quem fez o 25 de Abril, sempre pensou que ao fim de 43 anos de Democracia, Portugal seria um País competitivo, com elevado nível de vida, com pouco desemprego e com uma assistência médica igual ou superior aos nossos parceiros europeus. Os capitães de Abril, quando entregaram o poder à classe política, sempre pensaram que ela seria capaz de dar aos portugueses uma qualidade de vida superior àquela que existia no tempo do Dr. António de Oliveira Salazar ou no tempo do Dr. Marcelo Caetano. Mas depressa se enganaram. Quando receberam o poder, os partidos políticos entraram numa luta feroz, procuraram acautelar os seus interesses, esquecendo logo os milhões de portugueses que encheram as ruas quando a ditadura caiu.

E ao fim de 43 anos de democracia,salvo melhor opinião, continuo a dizer que Portugal é um Pais pobre da Europa, em todas as valências e que vai demorar muito tempo para melhorar o seu nivel de vida. No entanto, muitas vezes à custa de negócios muito pouco escrupulosos, alguém vive "à grande e à francesa", negócios que mais tarde ou mais cedo deveriam ser descobertos e punidos, Mas este polvo tem muitos tentáculos e actua em diversas áreas e em diversos países que se torna muito dificil para as autoridades, eliminar. Veja-se o que se está a passar com os crimes de "colarinho branco", que nunca mais acabam, dado o poder económico dos arguidos, com os constantes recursos, que contribuem para a sua prescrição.

As comemorações oficiais do 25 de Abril, na minha modesta opinião, tornaram-se num bocejo. Uma cerimónia na Assembleia da República com discursos repletos de lugares comuns, enfadonhos, onde a unanimidade é factor comum. Apenas o discurso tradicional do Presidente da República poderá alterar o tom comum dos oradores que o antecedem.

À tarde desfilam as manifestações do costume, pela Avenida da Liberdade, em Lisboa, para tudo terminar com os mesmos discursos, as mesmas saudades e as mesmas crìticas, os mesmos aplausos e a mesma indiferença. E eu estou à vontade para o dizer, porque às vezes acompanho estas manifestações que, sendo muitos, são cada vez menos e não se deixa pressentir que este significativo momento da História, quando a geração que hoje tem 43 anos, desaparecer, ficará limitado às cerimónias oficiais obrigatórias.

Na minha opinião, o 25 de Abril, como facto histórico, tem que ser ensinado aos jovens desde o ensino pré-escolar, para que eles, à medida que vão crescendo, vão aprendendo o que foi o 25 de Abril de 1974,as suas causas e consequências.

Um País, que trate a sua História recente ou mais distante, ao nível escolar, com desleixo que todos os anos verificamos, não pode querer homens cultos, esfomeados de identidade, em paz com os seus mitos, ícones e símbolos. Homens que conhecendo a sua História, ganham consciência da necessidade do futuro que se lhes coloca. Afinal, o eterno problema português que o 25 de Abril não solucionou. Um problema de Escola e de Saber mal resolvido.

Passados 43 anosl, lembro-me das palavras do heróico capitão Salgueiro Maia, numa carta que escreveu, antes da sua morte ( tinha um cancro) e que foi entregue ao Comando da Escola Prática de Cavalaria, ainda em Santarém, para ser aberta depois do seu desenlace, onde ele dizia "OXALÁ O NOSSO ESFORÇO DE DAR AOS PORTUGUESES UMA VIDA MELHOR NÃO TENHA SIDO EM VÃO". Se ainda fosse vivo, veria que, não foi para o estado actual deste País, que ele e mais alguns militares de eleição, arriscaram as suas carreiras militares e fizeram o 25 de Abril de 1974. Salgueiro Maia sempre lutou para que os pobres deste País fossem menos pobres e os ricos menos ricos, que houvesse menos desemprego (qualquer dia um jovem tem que ter o doutoramento, para arranjar um emprego), que a justiça fosse mais célere, que os cuidados de saúde primários fossem melhores ( ainda há vilas e aldeias onde não há médico ou os doentes tem que ir de madrugada marcar consulta, quantas vezes sem sucesso. O sonho dos militares de Livre e Democrático aos portugueses. Afinal, na minha opinião, nem somos livres e a Democracia é uma miragem

Hoje, a trilogia FADO, FÁTIMA E FUTEBOL, bandeira do Estado Novo, supera a política nacional. Os Jornais e as televisões, abrem as primeiras páginas e os telejornais, a falar de Fátima e a especulação vergonhosa para quem queira assistir às cerimónias com o Papa Francisco e as novelas das queixas e queixinhas dos dirigentes de clubes de futebol, as opiniões dos comentadores desportivos (pagos pelas TVS), que entretém, todos os dias a mim e aos outros . os problemas dos portugueses, é secundário. O que interessa é que o clube A ou B ganhe os jogos, seja campião, seja com árbitro ou videoárbitro, que o dirigente C continue a dizer mal do dirigente D. A Bola é que interessa. Pobre País onde o Futebol é mais importante do que a qualidade de vida dos portugueses. A continuar sssim, não vamos longe. De qualquer maneira, caro leitor, ouso dizer"VIVA O 25 DE ABRIL"

Antero Sampaio



Direitos Humanos e Diversidade Cultural

A minha tripla condição, enquanto: Cidadão; Aprendiz de Filósofo e Professor-Formador, exige, precisamente, da minha consciência, uma acrescida responsabilidade, levando-me: primeiro a refletir; depois, quando há condições para tal, agir, independentemente dos resultados que "à priori e/ou à posteriori" possam ser alcançados e/ou consequências a arcar.

A possibilidade que, embora nova, através das minhas reflexões, me é proporcionada, por alguns órgãos de comunicação social locais, digital e escrita, jamais a esquecerei, tanto mais que, salvo a importância de outras áreas disciplinares e científicas, me parece caber aos Filósofos-Professores, uma intervenção cada vez mais profunda e permanente, nas sociedades contemporâneas, considerando que a quantidade, e complexidade dos problemas humanos, são inegáveis, para alguns dos quais, urge encontrar soluções, ou, pelo menos, e para já, propostas de trabalho e discussão, que conduzam à gradual eliminação de situações verdadeiramente indignas da condição humana.

Quem como eu, teve o privilégio, por vezes doloroso, de viver toda a segunda metade do século XX, naturalmente que beneficiou da oportunidade de estudar alguns dos acontecimentos da primeira metade e, feito um primeiro, ainda que insuficiente balanço factual, poderia aceitar que o século XX testemunhou as alterações mais profundas, abrangentes e radicais do que qualquer outro século da História Humana. Um século surpreendente, inspirador e, quantas vezes, assustador, porém, sempre fascinante, imprevisível, em que, nos extremos, as ambições e os vícios humanos alcançaram profundezas insondáveis.

Sem preconceitos, aceitamos que uma grande diferença do século XX em relação aos anteriores é a guerra e notemos que a 1 de Agosto de 1914, começaria, belicamente, nesta data, com um longo período de conflitos, que durou décadas, que demonstrou o que o homem pode fazer a outros homens. Também sabemos, hoje, que nas duas guerras mundiais houve matança, carnificina e destruição sem precedentes.

A crueldade e a brutalidade humanas ultrapassaram todas as expectativas e limites do racional. Muitas outras pequenas/grandes guerras ocorreram durante o século XX, algumas das quais continuam sendo os "motivos", os mais diversos: políticos, religiosos, étnicos, económicos, raciais, enfim, estratégicos.

Todavia, nem só as guerras bélicas são as únicas calamidades que a humanidade vem sofrendo e, conforme o século XX avançava, também a vida diária das pessoas atravessava mudanças, devido aos desenvolvimentos científicos e tecnológicos e, nesta rápida e irreversível evolução da ciência e da técnica, muitas mentalidades se alteraram, novas formas de violência, opressão e violação dos Direitos Humanos foram surgindo.

Não podemos, hoje, ignorar as questões raciais, que não só conduzem a graves conflitos armados como também à mais vil e deprimente escravatura humana e aqui ocorre-me uma pergunta radical: Quem são os escravos modernos? São todas as pessoas, principalmente as crianças e as mulheres, vítimas da mais desenfreada, desumana e vergonhosa exploração sexual.

Deparamo-nos com cartazes turísticos, que apelativamente, passam mensagens do género: "Turismo sexual na Tailândia. Garotas de verdade. Sexo de verdade. Barato de verdade. Uma virgem por apenas 200 dólares!" ou então esta notícia extraordinária: "Prostituição - Em Fortaleza-Brasil com crianças menos de 16 anos, 14 anos, por dez reais. Os clientes mais assíduos são portugueses, espanhóis e italianos." (Grande Reportagem SIC, 18 de Maio de 2008, 21 horas).

E se, o filósofo romano Séneca, já no primeiro século, nas suas cartas a Lucílio escrevia: "Lembrai-vos bem de que este ser a quem chamais de vosso escravo, nasceu da mesma semente de que nasceste; desfruta do mesmo céu; respira o mesmo ar, vive e morre como vós", e, no final do nosso século XX, o Secretário-Geral da Nações Unidas afirmava: "Todos nascemos com a necessidade e o desejo inerente de dignidade e liberdade. Quem pode negar que todos buscamos viver livres do medo, da tortura e da discriminação? Já ouviu alguém livre exigir o fim da liberdade? Já viu um escravo defender a escravidão?"

Como facilmente concluiremos, estas ideias não são novas, os valores humanos, intrínsecos e imanentes do Direito Subjetivo Natural, sempre existiram, nem sempre têm sido respeitados e, no final de século XX, as violações continuavam, muitas das quais, impunes, vivendo os seus autores no aconchego dos prazeres da vida, fácil e sumptuosa, à custa dos pobres: explorados, marginalizado, excluídos.

Não podemos, por muito mais tempo, persistir no não reconhecimento das múltiplas situações que a espécie humana vive nos dias de hoje. Não devemos, sob pretexto algum, fazer a apologia etnocentrista, porque todos nós sabemos, muitíssimo bem: que não há culturas superiores; que não há etnias principais; que não há valores e direitos para uns e deveres para outros. Temos, hoje, uma riqueza e uma diversidade de culturas que em nenhuma outra espécie terrestre, certamente, encontraremos.

Perguntemos a um intelectual, possuidor de uma "cultura" enciclopédica, se conhece a história, e, os rituais, por exemplo, da "matança do porco no Minho?" ou de uma "desfolhada à moda antiga"? Até poderá saber, mas também pode ignorar e, neste caso, o homem simples do povo, teria mais cultura que o intelectual. Claro que não podemos analisar e concluir desta forma, mas não nos impressionará se dissermos que ambos têm culturas diferentes.

Vem esta introdução ao meu trabalho, a propósito do tema que pretendo desenvolver e que efetivamente gira à volta de um dos grandes problemas da atualidade que é o reconhecimento num Estado Constitucional e Democrático, da identidade, autenticidade e sobrevivência das sociedades multiculturais, e o seu direito à reprodução social, onde se incluem as minorias.

Terminaria esta introdução, citando um dos maiores paladinos da paz, mas a propósito das memórias étnicas: "Uma das formas mais dramáticas de discriminação é negar a grupos étnicos e a minorias racionais o direito fundamental de existirem como tais. Isto verifica-se através da sua supressão ou brutal transferência, ou então tentando debilitar de tal modo a sua identidade étnica a ponto de deixarem, simplesmente de serem identificáveis. Poder-se-á permanecer em silêncio perante crimes tão graves contra a humanidade? Nenhum esforço deve ser considerado excessivo, quando se trata de pôr fim a tais aberrações, indignas da pessoa humana." (cf. PAULO II, mensagem no Dia Mundial da Paz - 1999).

Educação, cidadania, política e religião, serão, porventura, alguns dos pilares que podem suportar um desenvolvimento adequado e moderno na resolução deste grave problema que herdamos do século XX, que se prende com a indispensabilidade de abrirmos a nossa mentalidade para os valores da cultura, de forma a reconhecermos no outro um igual a nós e, como tal, titular de Deveres e Direitos, livre e responsável, respeitado e digno.

O reconhecimento e aceitação da interculturalidade são uma preocupação para o futuro, ou permanecerá um problema do passado? O multiculturalismo deverá constituir-se como um bem necessário, a desenvolver-se por toda a humanidade, como riqueza e património mundiais ou, pelo contrário, deveremos caminhar para o monoculturalismo, assente no facilitismo do entendimento neológico (relativo a pessoas) dos seres humanos, uns para com os outros? Numa perspectiva humanista, com uma mentalidade democrática, não podem restar muitas dúvidas quanto ao futuro que nos convém! Um futuro intercultural, tolerante, fraterno, democrático, será a saída honrosa de um certo caos instalado.

Atentemos em alguns documentos importantes, e meditemos objetiva e realisticamente sobre o conteúdo de um ou dois preceitos jurídico-legais: "Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos" e "Todos os seres humanos podem invocar os direitos e as liberdades proclamadas na presente declaração, sem distinção alguma, nomeadamente de raça, de cor, de sexo, de língua, de religião, de opinião política ou outra..." (ASSEMBLEIA-GERAL DAS NAÇÕES UNIDAS, DUDH, 1948: Artºs 1º, 2º) ou, também: "Todos os portugueses têm direito à Educação e à Cultura (...). O Estado não pode atribuir-se o direito de programar a educação e cultura segundo quaisquer directrizes filosóficas, estéticas, políticas, ideológicas ou religiosas." (MINISTÉRIO EDUCAÇÃO, Lei Bases Sistema Educativo Português - Lei 46/86)

Nesta tradição de séculos e milénios, vivemos um período conturbado devido ao desentendimento entre os homens, no que respeita aos valores das sociedades que integram, parecendo certo que o factor económico-especulativo, possivelmente mais do que o político, estará na base de muitos dos conflitos regionais, sendo que, a par destes valores, outros se destacam, nomeadamente aqueles de natureza: cultural, ecológico, social, laboral, habitacional e outros da chamada terceira geração.

Naturalmente que da violação destes últimos valores, logo se ressentem os Direitos Humanos fundamentais, ou aqueles que integram a primeira geração, nomeadamente e de entre outros: liberdade, igualdade, fraternidade, solidariedade, segurança individual, propriedade, religião.

O homem, desde sempre, tem sentido a necessidade da vivência experienciada da religião, mesmo aquele que não acredita no poder Transcendental da Divindade, porque, em situações-limite, recorre ao Absoluto: qualquer que este Absoluto seja; qualquer que seja o processo e a fórmula utilizada, o homem, desesperadamente esperançado, ainda luta para sair da situação-limite, independentemente da solução adotada, mesmo que aponte para o suicídio. A religião não poderá ser um valor a ignorar, antes pelo contrário, cada vez mais, faz parte integrante das nossas vidas, mesmo que, cada um, a pratique à sua maneira, constituindo assim uma dimensão vital das suas diversas e universais culturas.

O valor religioso é intrínseco ao valor cidadania, e nenhum governo do mundo poderá ignorar esta dimensão cultural dos cidadãos, até porque, afirma-se hoje: "A intolerância religiosa e a vaga de fundamentalismos teológicos que durante quase dois séculos varreram a Europa Cristã permanecem, em grande medida, um enigma. Em pleno movimento de secularização do Ocidente, os sangrentos conflitos religiosos - que causaram a morte e o sofrimento a dezenas de milhões de europeus anónimos - permanecem como uma estranha vaga de fundo... (...). Os actuais direitos fundamentais do homem e do cidadão, que têm consagração na maioria das constituições dos diversos Estados da Comunidade Internacional, foram o desenvolvimento e esclarecimento de um direito fundamental que funcionou como um autêntico embrião de todos os outros: o direito à liberdade religiosa, ao livre e público exercício de profissões de fé minoritárias sem a perda de quaisquer direitos civis, nem qualquer espécie de segregação movida pelo estado ou por particulares, daí decorrentes. (SOROMENHO-MARQUES, 1996:77-78).

Se é verdade que as filosofias políticas capitais do séc. XVII, se preocuparam com a necessidade de fundar o poder e a legitimidade do Estado, não será menos certo admitir, hoje, a inevitabilidade da dimensão religiosa, e que esta tem cada vez uma maior importância nas nossas vidas, de tal forma que se o fenómeno da proliferação das seitas é um facto, também é verdade que as Igrejas das principais e tradicionais religiões se esforçam, pelo menos nas pessoas dos seus máximos representantes, por uma consensualização de posições, no respeito e tolerância pelos princípios e dogmas que a cada uma dizem respeito.

Neste caminhar na busca de consensos, também os Governos devem colaborar, através da consagração legislativa e na prática, do reconhecimento da cultura religiosa da sociedade, procurando firmar um compromisso entre as minorias religiosas e o próprio Estado, aliás podemos aceitar, de boa-consciência, que foram benéficos os resultados constitucionais das revoluções americana e francesa ao consagrarem os direitos dos cidadãos à liberdade religiosa, partindo da tolerância religiosa para o reconhecimento dos Direitos Humanos Fundamentais.

Os cidadãos, particularmente os membros de confissões religiosas minoritárias, não precisavam da indiferença benevolente do Estado, mas do compromisso obrigatório do Estado, na defesa do seu direito fundamental, ao livre exercício do culto religioso, apenas limitado, evidentemente, pelos outros Direitos Humanos essenciais, como a vida ou a propriedade. Desta forma, a questão religiosa, no final do século XVIII, revelou toda a grandeza e significado para a cidadania. O reconhecimento da liberdade religiosa só poderá ser assegurado no interior de um sistema constitucional de liberdades e garantias fundamentais.

Com efeito: "A liberdade religiosa não poderia oferecer-se para o direito positivo, como um objecto isolado. Ela implicava e tocava todos os outros direitos essenciais: o respeito pela vida e a integridade física; a protecção da propriedade; o reconhecimento pela liberdade de opinião e expressão, entre outros. (...). Uma sociedade onde os direitos civis são o único absoluto para o Estado, é uma sociedade emancipada e laica. Uma sociedade que não cai no erro de Locke que excluía os ateus da tolerância que defendia para as diversas crenças religiosas. (...). Não é no temor a Deus que se revela a grandeza dos homens, mas sim na capacidade de honrar as leis que a si próprio se deram. Essa é também a dignidade do cidadão." (Ibid.).

Desprevenidamente, aceitamos, sem mais, como sendo um lugar-comum, quando falamos de cultura, quando tentamos, por vezes intencional e desinteressadamente, classificar: quaisquer situações, fenómenos, atos e atitudes, tradições, usos e costumes, como cultura, envolvência cultural, porém, quando se trata de reconhecer, em favor de uma determinada minoria: valores, atividades, comportamentos e princípios, como seus direitos inalienáveis e integrantes da cultura dessa minoria, então as evasivas de quem tem o direito de decidir a favor delas, escuda-se, muitas vezes, em argumentos político-constitucionais, vazios legislativos ou na irrelevância quantitativa dessa mesma minoria.

Podemos concordar, ou não, sobre a utilidade das definições, e/ou argumentemos, que elas são redutoras, fechadas, dogmáticas ou, pelo contrário, que são um ponto de partida, um primeiro conceito, uma referência, todavia, não parece viável trabalharmos no vazio, na indefinição.

Com o objetivo de, pelo menos, partirmos de algum ponto, analisemos algumas ideias em como se defende que a cultura está presente na evolução da sociedade política: "... O conceito científico de cultura é a grande contribuição da Antropologia nos nossos tempos, mas (...) o conceito de cultura é tão instável que chega a ser de valor duvidoso. Marvin Harris, que critica as bases epistemológicas de muitas manifestações sobre cultura, fez uma tentativa interessante de situar o seu conceito sobre uma base operacional.

Serve melhor aos nossos objectivos presentes, tratar a cultura, de uma maneira hoje considerada como convencional: em termos do seu processo de transmissão, isto é, através da aprendizagem simbólica. (...). Contra este pano de fundo a cultura pode ser definida como a totalidade de respostas convencionais de comportamentos adquiridos primariamente através da aprendizagem simbólica. (...). Alguns antropólogos e alguns cientistas políticos, tanto quanto outros cientistas sociais, quase chegam a identificar o político com o cultural. (...), alguns estudiosos têm-se impressionado com o facto de que a maior parte das normas políticas existe não porque sejam sancionadas pela força, mas porque foram incutidas nos jovens no decorrer da sua criação como parte do processo de enculturação. Há também os teóricos que estão impressionados com a interacção da cultura e que vêem num sistema de valores compartilhados a base de um sistema político." (FRIED, 1967:14-17).

Naturalmente que a complexidade da sociedade humana pode: motivar-nos às mais elaboradas teorias; conduzir-nos à defesa de teses muito bem construídas; à idealização de uma sociedade pretensamente perfeita, mas, quaisquer que sejam os argumentos, é incontornável esta dimensão cultural, aliás, ela é parte intrínseca à humanização.

No contexto de uma sociedade humanizada, a noção de cultura assume desenvolvimentos diferentes: Na linguagem comum, o homem culto seria aquele que tem instrução, teve acesso à produção intelectual da civilização a que pertence (ciência, filosofia, literatura, artes em geral). Muitas vezes, só porque alguém conhece algumas línguas estrangeiras é considerado "culto", da mesma forma que se não frequentou os bancos escolares, é classificado como "inculto"." (ARANHA, 1996, 14-16).

Trata-se de outra cultura. (...). No sentido antropológico, cultura é tudo o que o homem faz, seja material ou espiritual, seja pensamento ou acção. A cultura exprime as variadas formas pelas quais os homens estabelecem relações entre si e com a natureza: como constroem abrigos para se protegerem das intempéries, como organizam suas leis, costumes e punições, como se alimentam, casam e têm filhos, como concebem o sagrado e como se comportam mediante a morte. (...).

A experiência humana é totalmente diversa (o animal vive em harmonia com a natureza e a sua actividade é determinada por condições biológicas que lhe permitem adaptar-se ao meio em que vive, não sendo livre para agir em discrepância com a sua própria natureza) sobre a natureza e sobre si mesmo. Ao reproduzir técnicas usadas por outros homens e inventar outras novas, a acção humana se torna fonte de ideias e por isso uma experiência propriamente dita. (...). A cultura é, portanto, o que resulta do trabalho humano: a transformação realizada pelos instrumentos, as ideias que tornam possível essa transformação e os produtos dela resultantes." (Ibid.)

De facto, é impossível dissociar a dimensão cultural do homem, quaisquer que sejam as suas vertentes: política, ideológica, religiosa, filosófica, científica, instrumental, artística, na medida em que esta diversidade enriquece na complexidade da sociedade, a dignidade que, indiscutivelmente, deve caracterizar o ser humano.

E, indo mais longe, com a ajuda da Profª. Maria Lúcia Aranha, desenvolveríamos de seguida aquilo a que ela chama as três esferas da cultura, para, seguidamente, refletirmos sobre a ligação da cultura e a educação, que, aliás, apresenta-se cada vez mais evidente e que o reconhecimento das diferenças passa, necessariamente, pela educação e, desculpar-me-ão os teóricos de outras áreas científicas, a Filosofia deve assumir, aqui, um papel cada vez mais interventor, decisivo e prático.

Neste quadro: "As relações que os homens estabelecem entre si para produzir a cultura se não em diversos níveis em que não se excluem, mas se complementam e se interpenetram: Relações de Trabalho, que são materiais, produtivas e caracterizadas pelo desenvolvimento das técnicas e actividades económicas; Relações Políticas, ou seja, as relações de poder, que possibilitam a organização social e a criação de instituições sociais; Relações Culturais ou comunicativas que resultam da produção e difusão do saber e deveriam pertencer ao âmbito das relações intencionais, reduto da subjectividade. (...). Vimos, até aqui, que a cultura é uma criação humana: ao tentar resolver seus problemas, o homem produz os meios para satisfação das suas necessidades e, com isso, transforma o mundo natural e a si mesmo.

Por meio do trabalho instaura relações sociais, cria modelos de comportamento, instituições e saberes. O aperfeiçoamento dessas actividades, no entanto, só é possível pela transmissão dos conhecimentos adquiridos de uma geração para a outra, permitindo a assimilação dos modelos e comportamentos valorizados. É a educação que mantém viva a memória de um povo e dá condições para a sua sobrevivência material e espiritual. A Educação é, portanto, fundamental para a socialização do homem e sua humanização. Trata-se de um processo que dura a vida toda e não se restringe à mera continuidade da tradição, pois supõe a possibilidade de rupturas pelas quais a cultura se renova e o homem faz a história." (Ibid.:17-19).

Bibliografia

AMNISTIA INTERNACIONAL - Secção Portuguesa, (s.d.). Declaração Universal dos Direitos do Homem, Nova York: Assembleia-geral das Nações Unidas 10/12/1948

ARANHA, Maria Lúcia Arruda, (1996). Filosofia da Educação. 2a Ed. São Paulo: Moderna.

ASSEMBLEIA-GERAL DAS NAÇÕES UNIDA, (1948). Declaração Universal dos Direitos do Homem. Nova York: Assembleia Geral das Nações Unidas, 10/12/1948

FRIED, Morton H. (1967) A Evolução da Sociedade Política: Um Ensaio sobre Antropologia Política. Tradução, Luís F.D. Duarte. Rio de Janeiro/RJ: Zahar Editora.

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO PORTUGUÊS, (1986) Lei de Bases do Sistema Educativo Português, Lisboa: Assembleia da República. Lei 46/86, 14/10 in Diário da República I Série, Nº 237 de 14/10/86.

PAULO II, João, (1999a). "Mensagem para o Dia Mundial da Paz, proferida em 01 Janeiro 1999, e datada de 08/12/1998, subordinada ao tema: "O Segredo da Verdadeira Paz" in CARNEIRO, Roberto, "O choque de Culturas ou Hibridação Cultural?", Revista Nova Cidadania, S. João do Estoril: Principia, Publicações Universitárias e Científicas, (2), Outono, pp. 43-52

SOROMENHO-MARQUES, Viriato, (1996). A Era da Cidadania. Mira-Sintra: Publicações Europa-América.

Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo


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Do Coura se fez luz. Hidroeletricidade, iluminação pública e política no Alto Minho (1906-1960)"
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Da Monarquia à República no Concelho de Caminha
Crónica Política (1906 - 1913)

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O Estado Novo e outros sonetos políticos satíricos do poeta caminhense Júlio Baptista (1882 - 1961)

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